Várias pequenas notas fazem uma canção – Ísis Higino

Várias pequenas notas fazem uma canção.

A nossa natureza acredita-se indelével, porquanto chateia-se quando percebe-se tão frágil quanto as folhas do quintal de um vizinho qualquer. Secas. Outonais. Destrutíveis. Meramente mortais perante a grandiosidade do vento.

Sou pequena nas minhas aspirações de um mundo terrivelmente grande, e ele parece quebrar minhas fibras com cada leve toque, mesmo que por vezes seja tão suave quanto as plumas da minha imaginação.

Sou como um beijo roubado: súbito, inesperado, um eterno suspiro em uma noite de verão. Não compreenderei jamais o papel do bater de asas da borboleta que sou dentro de um grandioso amontoado de flores, coisas e pessoas.

A brutalidade de mãos quentes que me acalentam no alvorecer é surpreendentemente reconfortante. Quanta vida há em superar o desconhecido em busca do bom que é a pequenez que representamos perante a dor que lateja no mundo. Cada pequena aflição é como três pontos inconclusos do suspiro do universo, um eterno “e se” que se instala no meu peito e se esvai a cada olhar seco que vejo nos olhos de crianças sofredoras e mães e pais trabalhadores: Não represento tanto assim perto da dor alheia, portanto calo-me.

Engraçado, já parou pra reparar que sofremos de dores eternas e agonias inconclusas que quando vistas de cima são tão pequenas ?

Ao mesmo tempo, sentimo-nos como deuses no universo do amor de quem nos tem. Esmigalhando-nos em mil pedaços quando tentamos regar os cacos que antes eram flores no grande buraco no peito que resta quando somos reduzidos do que pensávamos ser. Somos formigas em mentes que se acham gigantes, aumentamos nossos problemas ao universo do que é palpável perante a nossa inabilidade de ter uma mente contínua que se relaciona quanto ao infinito do que há além de nós.

É tão complexo ser menos que um átomo nos pulmões de um universo, que preferimos acreditar que cada passo que damos é, dentro de nossa eterna mania de grandeza, visto pelos olhos de uma mãe orgulhosa perante as primeiras palavras de um primogênito.

A dificuldade de agir para a grandiosidade do bem estar alheio parece ser dificil de se compreender. A individualidade miserável da qual esse planeta parece padecer é o reflexo da falta de capacidade de olhar além e se ver como parte de um todo que vale mais que os nossos quereres instantâneos de felicidade de pouco alcance. Como pudemos chegar ao ponto de nos crermos tão importantes que não olhamos para quem nos pede ajuda com olhos secos das lágrimas que nunca pôde chorar ? Seguirmos nossas vidas de problemas egoísticamente insolúveis que parecem não se relacionar com ninguém. A vida globalizada parece fronteiriça demais enquanto promete conexão instantânea quanto tudo que há, mas nos deixa presos a pequenos mundos de minorias que insistem em não olhar para suas periferias sofredoras.

Ísis Higino
sinapseliteraria.blogspot.com

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